Acórdão TRG de 22/05/2025, proferido no âmbito do processo nº 1073/20.5T8VRL.G1

Sessão

22/05/2025

Número de Processo

1073/20.5T8VRL.G1

Relator

LUÍS MIGUEL MARTINS

Sumário

I – O facto do CIRE prever um modo especial de conservação da garantia patrimonial da massa insolvente não prejudica a via de poder ser declarada judicialmente a nulidade de negócios jurídicos efetuados pelo devedor. II – Tendo o processo de insolvência uma vocação de plenitude para a resolução das questões pertinentes à liquidação do património do devedor insolvente em benefício da generalidade dos respetivos credores, a sentença de verificação de créditos nesse âmbito tem eficácia de caso julgado material relativamente a todos os credores concorrentes do insolvente e em relação aos próprios insolventes. III – No que concerne a questões de conhecimento oficioso, o Tribunal de recurso não está circunscrito pela iniciativa das partes, tendo vindo a ser entendido que a regra que obsta à apreciação de questões inovatórias, não tem validade relativamente às questões que ao Tribunal incumba conhecer oficiosamente. IV – Contudo, que tal será apenas exercitável caso essa possibilidade não esteja precludida por força de alguma disposição legal como ocorre com o art. 97.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, no que tange à incompetência absoluta dos tribunais judiciais, ou no que concerne ao art. 200.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, acerca designadamente da ineptidão da petição inicial, quer no que diz respeito ao caso julgado formal previamente formado, atento o plasmado no art. 635.º, n.º 5 do Código de Processo Civil. V – Não se tratando de uma ação declarativa pendente ao tempo da declaração do estado de insolvência, nem uma ação executiva, e nem uma ação relativa a dívida da massa insolvente, não se produzem os efeitos processuais da declaração de insolvência previstos, respetivamente, nos artigos 85.º, 88.º e 89.º do CIRE. VI – Apenas estão abrangidos pelo sigilo profissional aqueles factos que se reportam a assuntos profissionais que o advogado tomou conhecimento, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste, ou, ainda, no âmbito de negociações que visem pôr termo ao litígio, tenham essas negociações obtido o almejado acordo de interesses (judicial ou extrajudicial) ou não tenham obtido esse acordo (negociações malogradas), pelo que o simples facto de exercer a profissão de advogado, de no exercício dessa profissão ter tido uma das partes como cliente, não tendo o seu conhecimento sido adquirido nas circunstâncias do art.º 92.º do EOA não impede a testemunha de depor em juízo. VII – A simulação é integrada por três elementos: 1º- Intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, que se traduz na consciência, por parte do declarante, de que emite uma declaração que não corresponde à sua vontade real; 2º- Acordo simulatório, isto é, a divergência entre a vontade e a declaração deve proceder de acordo entre declarante e declaratário («pactum simulationis»); 3º- E intuito de enganar terceiros, quer seja para os prejudicar («animus nocendi») e diz-se simulação fraudulenta, quer seja apenas para os iludir, sem os prejudicar («animus decipiendi») e diz-se simulação inocente. VIII – A atribuição de personalidade jurídica às sociedades, constituindo uma ficção jurídica, assenta no princípio da separação de patrimónios entre as sociedades e os respetivos sócios. IX – Contudo, o princípio da separação, porque passível de ser usado em práticas censuráveis de instrumentalização da sociedade para satisfação de interesses pessoais dos sócios, alheios aos interesses sociais, conduz à sua derrogação nas situações em que se imponha reequilibrar situações injustas. X – Não pode ser desvirtuado o princípio subjacente à “atribuição” da personalidade coletiva (de instrumento jurídico ao serviço da vida económica), não podendo ser ultrapassados os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e ultrapassados esses limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito. XI – Apurados esses factos, pode o credor utilizar este mecanismo para garantia de crédito de pessoas singulares, ainda que, formalmente se encontrem inscritos na esfera jurídica de sociedades, que aqueles usaram em seu favor e de forma indevida para iludir os credores.